Cores e formas de Morro Reuter
- inspiresefeevale
- 25 de nov. de 2016
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Morro Reuter é uma pequena cidade, localizada na Serra Gaúcha. Um dos destaques do município é o Caminho da Gastronomia e das Artes. O visual é composto por muita identidade de cada artista que vive no lugar. Cerâmica, mosaicos, pinturas e esculturas enchem os olhos dos visitantes. Há arte por todos os lados.
Ateliê de Cerâmica Anelise Brendow
Nas margens da BR 116, no caminho de Porto Alegre à Gramado, chama a atenção de quem passa o Ateliê de Cerâmica Anelise Brendow.
O amor pela arte começou cedo na vida de Anelise, 37 anos, quando criança a artista plástica gostava de desenhar e brincava com a argila usada em arranjos de casamentos.
Enquanto todos os primos estavam escolhendo cursos como administração e direito, Anelise decidiu fazer artes, na Universidade Federal de Santa Maria. “Fui aprovada em primeiro lugar no vestibular e quando cheguei ao Centro de Artes e Letras vi aquele povo diferente, como eu digo. Eram pessoas de todos os tipos, cores e vestidas de todos os jeitos. Era o lugar onde as pessoas podiam ser quem elas eram. Ali eu descobri o que eu queria fazer pelo resto da minha vida”, diz.
Para ela, a arte nunca foi vista como um hobby, mas sim profissão e isso precisava ser levado a sério. Anelise comenta que procurou fazer algo que não considerasse um fardo que precisaria carregar pelo resto da vida.
Aos 20 anos, terminando a faculdade, decidiu fazer uma pós-graduação em Design. Novamente, a cerâmica apareceu na vida da jovem, que fez uma especialização em azulejos e iniciou um estágio em uma grande indústria, em Santa Catarina. “Acabei ficando cinco anos nessa empresa, mas logo eu percebi que a indústria não era o meu caminho e que eu queria uma vida mais humana, mais real em um lugar mais verdadeiro”, comenta.
Foi então, que nasceu a ideia de montar um ateliê. O primeiro passo foi criar um plano de negócio com o Sebrae. Procurando diversos lugares para estabelecer seu plano de vida, Anelise encontrou uma casa em Morro Reuter e decidiu apostar no seu sonho.
E esse sonho deu certo. Hoje, após muitos erros e acertos Anelise tem o seu próprio ateliê. A artista destaca que há oito anos consegue tirar seu sustento exclusivamente da cerâmica. “No início eu revendi coisas de outras pessoas e depois eu acabei ficando só com a cerâmica e eu tenho muito orgulho disso”, diz.
Anelise trabalha unicamente com a cerâmica. Todas as peças são exclusivas e feitas à mão. O trabalho tem como referência o do pai, que consertava rádios e televisores. Para ela, quando criança, o conjunto de peças dos aparelhos formava uma pequena cidade que ganhava vida para a produção do som ou da imagem.
“Eu utilizo a técnica mais simples que existe na cerâmica, que vem lá do período neolítico, que é modelar com uma argila e colorir com outra. Só que eu trouxe isso para uma linguagem minha com desenho, cores e formas que foi e está sendo construída. Eu digo que é um mundo imaginário que eu me permito libertar na cerâmica”, relata.
Anelise mora sozinha, nos fundos do ateliê. Ela divide o seu trabalho em duas etapas, uma mais comercial de brindes, que produz pensando nos turistas, e a parte mais artística, que comenta ser o que mais gosta de fazer. “Cada peça é única. Mesmo quando a pessoa compra uma peça pequena ela leva o meu nome e, às vezes, o meu nome vai parar do outro lado do Brasil”, diz orgulhosa.
Quando decidiu se mudar definitivamente para Morro Reuter, Anelise não sabia que a cidade já era um reduto de artistas. Porém o Caminho da Gastronomia e das Artes ainda não existia. O roteiro iniciou com a criação de um mapa turístico, onde se encontram todas as informações necessárias para que os turistas possam se localizar na pequena cidade.
“Quando eu vim morar aqui em Morro Reuter uma coisa que me entristecia muito era que as pessoas não sabiam onde elas estavam. A cidade não tinha mais um nome era só uma passagem na BR. Eu pensava que um lugar como esse precisava ser referência e eu comecei a fazer um trabalho de divulgação”, conta.
Anelise ainda destaca que os artistas não recebem apoio da prefeitura e que não existe praticamente nenhuma estrutura turística na cidade. “A prefeitura ajudou na última edição do mapa, há três anos, mas nos últimos tempos não fez nada pelo turismo”, afirma.
Como a prefeitura não incentiva o turismo na cidade, surgiu um espírito colaborativo entre os artistas e comerciantes, ou seja, pararam de se ver como concorrentes e entenderam que com a divulgação de todos os atrativos as pessoas permanecerão mais tempo na cidade. “Então um artista divulga o outro e entendemos que somos fortes quando estamos juntos”, diz Anelise.
Além de expor o trabalho em seu próprio ateliê, ela oferece aulas de imersões, dentro da proposta de um turismo criativo. Anelise fez mestrado em Indústrias Criativas, na Universidade Feevale, onde aprendeu sobre esse novo tipo de turismo. A experiência oportuniza que as pessoas possam vivenciar a rotina de determinado espaço. Dentro deste conceito, ela desenvolveu imersões que buscam tirar as pessoas do contexto em que vivem e conhecer outro completamente diferente, explorando os cinco sentidos.
Caminho das Serpentes Encantadas
Outra parada obrigatória em Morro Reuter é o Caminho das Serpentes Encantadas. O lugar é um parque de mosaicos e também o ateliê da Cláudia Sperb. São texturas, cores e formas que constroem um espaço de muita cor e expressão em contato com a natureza.
A artista Cláudia Sperb, 57 anos, natural de Novo Hamburgo, iniciou sua vida artística muito cedo. Quando criança morava em um apartamento que ficava em cima de uma livraria, onde gostava de olhar as capas dos cadernos expostos.
As expressões artísticas a rodeavam desde pequena, pois a mãe e a irmã pintavam porcelana e Cláudia sentia um contentamento com aquilo. Gostava de criar e nunca de copiar.
Mesmo depois de mais velha, a arte não passava muito longe. Uma amiga era sobrinha do pintor, restaurador e compositor Ernesto Frederico Scheffel e esse apartamento era cheio de obras. Namorou também um rapaz que os avós eram mecenas, pessoas que propiciam recursos financeiros para campos do saber ou das artes, do pintor Iberê Camargo.
“Eu sempre ia a exposições mesmo em novo Hamburgo. Queria estar perto disso porque a gente começa a sentir fome de arte e começa a querer viajar para ver outras paisagens”, conta.
A decisão de se especializar iniciou após a realização de um teste vocacional. Já formada em magistério, Cláudia decidiu cursar licenciatura em Artes, na Universidade Feevale. “Eu entrei mais para ser professora porque eu acho que a arte é um setor de liberdade onde você pode expressar o que sente”, relata. Na universidade, quando cursou a disciplina de xilogravura, a artista parou de dar aulas e decidiu encarar a arte como uma profissão.
Por um período, Cláudia morou em São Paulo ao lado de uma galeria e de uma casa de espetáculos, ou seja, praticamente respirava arte. Quando engravidou do primeiro e único filho, decidiu sair da grande metrópole e criá-lo em meio à natureza. “Eu não sabia que um dia eu ia fazer essa ilha fantástica”, conta remetendo ao Caminho das Serpentes. “Com essa construção eu fiquei pensando nas pessoas que querem alimentar o coração, a alma, o espírito”, diz a artista.
Na “ilha”, como Cláudia gosta de chamar o espaço, é possível encontrar bugios, pica-paus e tucanos. O local conta com mais de 1.500 livros. Além de vídeos e diversos trabalhos de outros artistas. Há até uma pequena pinacoteca com obras nacionais e internacionais. O espaço também é aberto para que sejam realizadas exposições e até rodas de música.
Com o intuito de que mais pessoas pudessem aproveitar a vista privilegiada do anoitecer no Caminho é que Cláudia começou a criar quartos para que o espaço virasse uma pequena pousada. “Aqui é muito bonito e eu fico feliz quando as pessoas podem usufruir disso comigo”, comenta.
“Esse lugar é uma delícia. Primeiro o silêncio. Aqui eu não me sinto estressada. Além disso, a natureza na Mata Atlântica é riquíssima. O que me inspira é essa liberdade porque o meu mosaico é espontâneo e é só eu ter uma ideia e tempo para executar. Eu acho que isso aqui dá esperança para as pessoas esse contato com a natureza e essa forma espontânea de fazer as coisas”, finaliza.
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